No âmbito da situação de calamidade pública resultante do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19, foram tomadas várias medidas legislativas de forma a evitar a proliferação de casos registados de contágio e minimizar as consequências socioeconómicas adjacentes, entre as quais as necessárias medidas de cariz laboral.
A medida de cariz laboral principal foi a obrigatoriedade de adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções o permitam, decretada pelo Decreto nº 2-A/2020, de 20 de março, revogado pelo Decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril que por sua vez foi revogado pelo Decreto nº 2-C/2020, de 17 de abril.
Tal medida também foi prevista no Decreto-Lei nº10-A/2020, de 13 de março que estabeleceu que o regime de prestação subordinada de teletrabalho pode ser determinado unilateralmente pela entidade empregadora ou requerida pelo trabalhador, sem necessidade de acordo das partes, desde que compatível com as funções exercidas.
Ora, esta medida desformalizou o regime do teletrabalho previsto nos artigos 165º a 171º do Código do Trabalho, tendo deixado de ser necessária a forma escrita assinada por ambas as partes.
No entanto, os direitos e deveres previstos no supramencionado regime do Código do Trabalho mantiveram-se.
A igualdade de tratamento do trabalhador em teletrabalho perante os demais encontra-se em vigor, conservando-se o direito à retribuição de igual modo, o dever de cumprimento de horário de trabalho, o direito às condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.
Como também se mantiveram o direito à privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso do mesmo e da sua família.
Não obstante tal direito à privacidade, perante a excecionalidade dos tempos que se vivem, a Comissão Nacional de Proteção de Dados, no exercício das suas atribuições e competências, definiu orientações para garantir a conformidade do tratamento de dados pessoais dos trabalhadores com o regime jurídico de proteção de dados e minimizar o impacto sobre a privacidade em regime de teletrabalho.
Nessas orientações são tratados temas primordiais que já eram discutidos neste tema do teletrabalho, como o uso dos instrumentos de trabalho e as limitações ao uso de tecnologia que violem a privacidade.
No que toca aos instrumentos de trabalho (respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação), existem duas possibilidades, uma pertencerem à entidade empregadora, outra pertencerem ao trabalhador. Se pertencerem à entidade empregadora, o trabalhador só deve usá-las para a prestação de trabalho, salvo acordo em contrário. Já se forem do trabalhador, não podem ser impostas tais limitações.
Relativamente aos poderes de direção e de controlo da execução da prestação laboral que se mantiveram, com exceção da possibilidade de visita da entidade empregadora entre as 9 e as 19 horas, inexiste qualquer disposição legal que regule o controlo no teletrabalho, mas a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância é aqui totalmente aplicável, bem como os princípios da proporcionalidade e da minimização dos dados pessoais.
Pelo que as tecnologias existentes para controlo à distância do desempenho do trabalhador não são admitidas. Ora, não podem ser utilizados os softwares de rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade, de registo das páginas de Internet visitadas, de localização do terminal em tempo real, os dispositivos de captura de imagem do ambiente de trabalho, entre outros.
Esta proibição funda-se no facto de que a recolha dos dados pessoais dos trabalhadores é superior, promovendo o controlo do trabalho mais detalhado do que pode ser legitimamente realizado nas instalações da entidade empregadora.
Apesar da impossibilidade de uso dos meios supramencionados, a entidade empregadora mantém o poder de controlar a atividade do trabalhador, o que poderá fazer, nomeadamente, fixando objetivos, criando obrigações de reporte, marcando reuniões em teleconferência.
No que toca ao registo de tempos de trabalho, é permitido com recurso a tecnologias específicas que não recolham mais informação do que a necessária, ou a fixação de obrigação de envio de email, SMS ou de contato telefónico que permita não só o controlo dos tempos de trabalho, mas também a demonstração que não foram ultrapassados os tempos máximos de trabalho permitidos por lei.
Conclui-se que o regime de teletrabalho excecional apenas tem diferenças quanto ao seu formalismo e ao acordo entre as partes, mantendo toda a problemática inerente e já existente.