No seguimento do destaque feito na passada publicação, pela qual elucidamos os nossos leitores quanto à temática da inabilitação por prodigalidade, cabe-nos agora sugerir a leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 16215/15.4T8LRS-2, em que é relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Pedro Martins (disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o filho do inabilitando vem requer o decretamento da inabilitação de seu pai, alegando, para o efeito, “a dissipação do património mobiliário do réu, em centenas de milhares de euros e que existe o perigo de inexistência de liquidez para o pagamento dos impostos do seu vasto património imobiliário”.
Com efeito, o pretendido pelo Autor do processo não foi mais do que acautelar os direitos que lhe assistiriam enquanto herdeiro de seu pai, isto é, a ideia do Autor era acautelar que de futuro ainda sobejavam alguns bens ao Réu e que aquele os herdaria após o seu óbito.
A questão centrou-se então em demonstrar que os comportamentos do Réu culminavam em gastos inúteis ou desproporcionados à sua situação patrimonial.
Concluiu o tribunal de recurso que “A prodigalidade, para constituir fundamento de inabilitação deve revestir a natureza de habitual, abrangendo os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial, devendo, para o efeito, atender-se, concretamente, ao capital do requerido e à natureza das despesas, sendo necessário que as despesas ultrapassem o rendimento e (ou) ponham em risco o capital, mostrando-se improdutivas e injustificáveis” (…) é necessária uma ponderação entre o valor, a utilidade da despesa e o conteúdo do património da pessoa”.
Assim, a par de um carácter de continuidade do comportamento (não basta um só acto), será necessário que o entendimento do inabilitando se encontre diminuído, pois o que se pretende é proteger o inabilitando dele próprio, da sua incapacidade em reger os seus bens, e não já de proteger-se de terceiros.
Desta feita, as despesas tidas pelo Réu não mereceram censura quanto bastasse para que aquele ficasse privado de poder dispor livremente dos seus bens.
Pesou para o caso o facto de o Réu ter sempre uma pensão de velhice que acautelasse das suas necessidades até morrer, ainda que antes “consumisse” toda sua fortuna com os gastos alegados pelo próprio filho.
Aliás, retenha-se o que no referido acórdão se defende: “nada impede uma pessoa de, independentemente da idade, utilizar todo o seu património par a fazer a viagem com que sempre sonhou”.
Dispõe o artigo 152.º do Código Civil C), que “Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património”.
Hoje, e em face dos diversos cenários ali patentes, versaremos apenas a propósito da inabilitação por prodigalidade.
E do que se trata quando se fala em prodigalidade?
Têm vindo os tribunais a tratar a prodigalidade quanto às situações em que as despesas assumidas por um indivíduo são de tal ordem exageradas, injustificadas e reprováveis que implicam necessariamente a dissipação ou possibilidade de perda do próprio capital ou dos bens donde provêm os rendimentos.
Quer isto dizer que, em situações onde se verifique que o sujeito coloque em risco a sua subsistência futura por via de actos dispositivos do seu património de forma injustificada e reprovável, será necessário afastar a sua capacidade para o exercício de alguns dos seus direitos.
Assim e para acautelar os interesses patrimoniais do sujeito, a lei prevê nomear-lhe um curador, após processo judicial para tanto, que limitará a autonomia negocial do inabilitado nos negócios de disposição dos seus bens.
Com efeito, o inabilitado precisará da autorização do referido curador, assim que decretada a inabilitação, para dispor dos seus bens, e a este caberá administrar os bens do inabilitado com prudência e no interesse apenas deste, cabendo-lhe prestar contas da administração ao conselho de família que seja constituído e que fiscaliza a actividade daquele.
Decretada a inabilitação por via de sentença a proferir pelo tribunal do domicílio do inabilitado, esta só pode ser levantada decorridos que estejam 5 anos sobre o trânsito em julgado dessa mesma sentença.
Para aquele efeito, sempre se dirá que tem o ainda inabilitado de fazer prova de que cessou a causa que determinou a sua incapacidade.
A par do que acontece nas ações com vista à interdição de alguém, também o pedido de inabilitação deverá ser requerido pelo cônjuge, por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público.
No seguimento do destaque feito na passada publicação, pela qual elucidamos os nossos leitores quanto à temática da confiança de menor a terceira pessoa, cabe-nos agora sugerir a leitura do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 9088/16.1T8VNG.P1, em que é relatora a Exma. Sra. Dra. Juiz Desembargadora Maria José Simões (disponível em www.dgsi.pt).
No caso em questão, discute-se da bondade da confiança de menor em sede de providência de limitação ao exercício das Responsabilidades Parentais, intentada contra os seus progenitores e bem assim contra o casal que o acolheu desde 2016 e por decisão dos próprios progenitores.
Para o efeito, veio o Ministério Público requerer a retirada aos pais do menor da titularidade das responsabilidades parentais em tudo o que seja necessário para o bom desempenho dos deveres por parte dos referidos cuidadores, defendendo que a estes fosse conferida a confiança do menor.
A pretensão do Ministério Público veio a ser indeferida liminarmente em sede de 1ª instância, por entender o tribunal que o menor não se encontrava em situação de perigo – fosse uma situação de perigo atual ou iminente, fosse uma situação meramente potencial, embora com algum grau de probabilidade para a sua saúde, segurança, formação moral ou educação.
Chamado a responder à questão veio então o tribunal superior, no caso a Relação do Porto, decidir em sentido contrário, defendendo revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine o normal prosseguimento dos autos, ou seja, que determine a confiança do menor aos seus cuidadores e que fixe quanto ao exercício das responsabilidade parentais em conformidade com o quadro da confiança.
Com efeito, o tribunal de recurso veio defender que a confiança do menor não está dependente que seja alegado e provado um qualquer perigo atual, iminente ou meramente potencial quando exista o acordo dos progenitores para que o filho seja confiado à guarda de terceira pessoa.
Desta feita, conclui que ao tribunal só restará verificar se os interesses do menor se mostram ou não suficientemente acautelados com a confiança requerida, homologando, em conformidade, o acordo dos progenitores quanto a esta questão.
No mais, os fundamentos para a confiança do menor ao casal de cuidadores bastavam-se apenas com fatores de lhe ser proporcionado melhores condições de desenvolvimento do que as que resultariam, caso continuasse no local de residência dos seus progenitores e com eles coabitasse.
Todo o menor está sujeito às responsabilidades parentais (outrora chamado de poder paternal) até à maioridade (18 anos) ou emancipação (pelo casamento, a partir dos 16 anos), cabendo, aquelas, em regra aos progenitores.
Assim, aos progenitores caberá, no interesse do menor, e só apenas no interesse deste, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-lo e administrar os seus bens.
E quando não sejam os progenitores capazes de promover no superior interesse do menor, porque assim o reconheçam ou porque a sociedade assim o reconhece dentro dos parâmetros que a Lei desenhou?
Veio o legislador no Código Civil (doravante, CC) e no Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) responder a essa questão, perfilhando o que definiu como Confiança do Menor a Terceira Pessoa ou Instituição.
Desenhado para situações extremas (perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação), o instituto visa igualmente questões nas quais sejam os próprios progenitores a reconhecer a competência a terceiro em prover todos os cuidados de que o menor precisa.
Se confiado o menor a terceira pessoa, caberão a esta os poderes e deveres dos pais exigíveis pelo desempenho das suas funções.
Quer isto dizer que, o tribunal decidirá em que termos são exercidas as responsabilidades parentais dos progenitores nas partes em que não sejam as que cabem a quem tem o menor à sua confiança.
Assim e ficando o menor confiado à guarda de terceiro, sobre ambos os progenitores recai, por exemplo, o pagamento de pensão de alimentos ao menor e caberá fixar-se o regime de visitas aos pais, a menos que o interesse do filho o desaconselhe.
De ressalvar que a confiança de menor a terceiro está sempre dependente de decisão judicial que a determine a requerimento, para o efeito, do Ministério Público, qualquer parente ou a quem o menor esteja confiado, ou homologue o acordo entre os progenitores que se alcance a esse propósito antes de qualquer contenda a propósito da questão.
No seguimento da publicação feita anteriormente sobre o Plano Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), vimos agora dar a conhecer aos nossos leitores a decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/02/2018, proferida no Processo nº 494/18.8T8STB-A.E1, em que é relator a Exma. Sra. Dra. Juiz Desembargadora Albertina Pedroso (disponível em www.dgsi.pt).
Vem aquele tribunal superior determinar que ao PEAP se aplicarão os princípios que encontram igual acolhimento no processo especial de revitalização.
Assim, e por referência ao princípio da igualdade dos credores, admite-se ali “uma desigualdade de tratamento entre os credores, mas a mesma tem de se mostrar justificada por razões objectivas, e tem de obter a anuência dos credores visados por tal tratamento mais desfavorável, que se encontrem em situação idêntica à de outros credores que beneficiem de um acordo mais favorável”.
No caso em discussão, o devedor, em face da relevância assumida pelos créditos garantidos, correspondentes ao crédito habitação da casa de morada de família, propunha o perdão de 70% da dívida reclamada pelos demais credores comuns, mais defendendo que estes últimos iriam ser ressarcidos em maior valor do que o seriam num processo em que o devedor viesse a ser declarado insolvente e ainda que lhe viesse a ser deferido o benefício da exoneração do passivo restante.
O plano viria a ser aprovado com o voto contra dos indicados credores comuns.
Ora, entendeu o tribunal de recurso manter a decisão de não homologação do acordo apresentado pelo devedor, na medida em que aquele viola o princípio da igualdade dos credores uma vez o “acordo de pagamento em apreço tem «dois pesos e duas medidas», o que determinaria, caso o acordo aprovado fosse judicialmente homologado, que alguns credores veriam os respectivos interesses claramente diminuídos na comparação com o outro credor da mesma classe de créditos que veria o mesmo satisfeito na integralidade, ainda que num lapso de tempo muito superior ao contratado.”