No seguimento do destaque feito na passada publicação, pela qual elucidamos os nossos leitores quanto à temática da Indignidade e da Deserdação, cabe-nos agora, e por referência à vastíssima jurisprudência a esse mesmo propósito, sugerir a leitura do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 104/07.9TBAMR.S1, em que é relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa (disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, e de acordo com o artigo 2034.º do Código Civil, acham-se ali indicadas taxativamente as circunstâncias que determinam a incapacidade por indignidade.
Sucede, porém, que o acórdão a que se alude vem dar por indigno um pai que violou a filha de 14 anos, a obrigou a abortar aos 15 anos, e, após cumprir a pena de prisão em que foi condenado, se vem habilitar à herança desta sua filha por morte dela aos 29 anos, em acidente de viação, filha que, tendo ao alcance a possibilidade de determinar a deserdação do pai, nos termos do artigo 2166.º do Código Civil, afastando-o da sua herança, não o fez.
Entende o tribunal superior que, reconhecer ao pai, a capacidade de ser herdeiro da filha seria manifestamente intolerável para os bons costumes e o fim económico e social do direito e portanto ilegítimo, por abusivo, esse mesmo direito.
E julgou assim justificando a necessidade da aplicação analógica da alínea b) do artigo 2034.º ao caso concreto - a natureza do crime praticado (crime de violação praticado pelo pai na pessoa da filha menor) é caracterizado como o mais grave dos crimes contra a honra, concluindo-se que não pode aquele normativo ser entendido como taxativo, mas antes objecto de um interpretação por analogia legis ou delimitativa, logo aplicável às circunstâncias em discussão no processo.
O enquadramento que o Supremo Tribunal Justiça faz no referido acórdão assenta no entendimento da indignidade sucessória revestir uma natureza sancionatória, assim justificando que, por si só, o crime praticado pelo réu não o faria cair na excepção da incapacidade por indignidade, mas as circunstâncias concretas do caso conduzem a que o reconhecimento do direito do réu a suceder a sua filha viola manifestamente aquilo que a moralidade e os bons costumes exigem.
O Banco de Portugal é, nesta matéria, a autoridade de supervisão.
Podemos dizer que o Banco de Portugal monitoriza, acompanha e fiscaliza a atividade de intermediação de crédito, e consequentemente os intermediários de crédito, desde o início até à cessação da sua actividade.
Desde logo, é ao Banco de Portugal que compete averiguar se os candidatos à actividade de intermediação de crédito, sejam eles pessoas singulares ou coletivas, preenchem os vários requisitos legais imprescindíveis para o exercício desta actividade. Isto é, será o Banco de Portugal a apreciar (deferindo ou indeferindo) os pedidos de autorização que lhe são diretamente solicitados, com base na avaliação que promove sob a idoneidade, bem como por via da análise da competência técnica e da experiência profissional dos responsáveis pela atividade de intermediação de crédito, entre outros aspetos. Mas, também deverá esta autoridade confirmar o cumprimento de todo um conjunto adicional de requisitos, como seja, entre outros, a posse da adequada estrutura de suporte administrativo e contabilístico, a capacidade de planeamento de atividades, a inexistência de situações de incompatibilidade e a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.
Emitida a competente autorização, será o Banco de Portugal a efetuar o necessário registo do intermediário de crédito. Depois de iniciada a atividade, o Banco de Portugal exercerá os seus poderes de supervisão, podendo, entre outras manifestações, emitir recomendações, orientações e entendimentos. Ou seja, será uma entidade norteadora da atuação dos intermediários de crédito. Aliás, o Banco de Portugal detém poderes normativos nesta matéria, podendo dimanar avisos e instruções que regulamentam e pormenorizam determinados aspetos do regime legal.
Embora a supervisão do Banco de Portugal seja inspirada por um princípio de pedagogia e tenha uma vocação preventiva atentos os exigentes deveres que recaem sobre os intermediários de crédito (por exemplo, os deveres de informação e de conduta), se o Banco de Portugal, no âmbito de uma ação inspetiva ou após uma denúncia, detete infrações ao regime legal, pode despoletar processos de contraordenação, culminando com sanções ao intermediário de crédito visado. Aliás, o Banco de Portugal acumula com as atribuições já referidas a de receber e apreciar as eventuais reclamações dos clientes.
Em suma: o Banco de Portugal é uma autoridade de supervisão que acompanha todos os momentos essenciais da atividade de intermediação de crédito.
No Livro da Sucessões, veio o Código Civil, prever limites à capacidade sucessória, elencando taxativamente as circunstâncias que ditarão o afastamento de um ou mais herdeiros.
Os referidos limites desenham-se na forma de dois institutos diferentes – a Incapacidade por Indignidade e a Deserdação – previstos nos artigos 2034.º e 2166.º, respectivamente.
Com efeito, carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade, quem:
a) For condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;
b) For condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;
c) Por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu;
d) Dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.
A declaração de indignidade resultará obrigatoriamente de acção judicial intentada para o efeito contra o herdeiro que se pretenda afastar da sucessão e dentro do prazo de dois anos a contar da abertura daquela ou dentro de um ano a contar da condenação pelos crimes que determinam a indignidade ou do conhecimento das causas acima indicadas nas alíneas c) e d).
Declarada que seja a indignidade, o indigno é considerado como possuidor de má fé em relação ao bens da herança.
Ainda que declarada a indignidade judicialmente, o autor da sucessão pode expressamente afastá-la, reabilitando o indigno por via de testamento ou escritura pública.
Concorrerá, no mais, na sucessão o indigno que, pese embora conhecida a causa de indignidade por parte do testador, venha a ser contemplado em sede de testamento ainda assim.
Por sua vez, o autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário (cônjuge, descendentes e ascendentes), privando-o da legítima (porção de bens de que não pode dispor por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários), quando:
a) O sucessível tenha sido condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão;
b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas;
c) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.
O deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais, ou seja, é considerado como possuidor de má fé em relação ao bens da herança.
Aberto o testamento, pode o deserdado reagir contra a deserdação, promovendo por acção judicial com vista à sua impugnação, demonstrando quanto à inexistência da causa invocada pelo autor da sucessão.
A referida acção tem de ser intentada no prazo máximo de dois anos, contados desde a abertura do testamento.
O regime jurídico da intermediação de crédito, para as sociedades, ao contrário do que sucede em certas áreas (a título de exemplo, para as sociedades gestoras de participações sociais) não exige exclusividade de objeto social. E também não existe qualquer restrição de dedicação exclusiva para as pessoas singulares. No entanto, tal não equivale a dizer que seja indiferente, para efeitos de pedido de autorização e de subsequente registo, junto do Banco de Portugal, o leque de actividade a que o intermediário de crédito se propõe dedicar em simultâneo.
Desde logo, para efeitos de demonstração da adequada organização administrativa, contabilística e financeira, bem como da posse dos adequados recursos humanos, convirá que as demais atividades a exercer, em simultâneo, pelo intermediário de crédito, não sejam suscetíveis de consumir toda a estrutura. Por outro lado, a acumulação de plúrimas atividades também obrigará a um cuidado acrescido quanto a políticas de conflito de interesses e de boas práticas.
Por fim, outras preocupações, a levar em conta, serão a preservação do segredo profissional a que os intermediários de crédito estão vinculados, entre outros deveres específicos desta actividade, o que implicará acrescidos cuidados no modelo de atendimento aos clientes e até na configuração física dos estabelecimentos, de modo a, tanto quanto possível, segregar esta actividade das demais. Sem prejuízo do que ficou escrito, diferente será o caso do intermediários de crédito que pretendam exercer a atividade na categoria de não vinculado, ou seja, os intermediários de crédito que não tenham celebrado contrato de vinculação com um mutuante ou grupo de mutuantes. Estes intermediários têm de ter como objeto social exclusivo a atividade de intermediação de crédito, não podendo desta forma, cumular a mesma com qualquer outra atividade.
Em suma: a lei não impede o exercício de outras atividades, quando os intermediários de crédito exerçam a sua atividade nas categorias de intermediários de crédito vinculados ou a titulo acessório, mas as especificidades da atividade da intermediação de crédito deverão ser levadas em conta, quer na escolha das atividades a incluir (ou manter) no contrato de sociedade, quer no seu exercício fáctico. Quanto aos intermediários de crédito que pretendam exercer a atividade na categoria de intermediários de credito não vinculados, estes não poderão exercer, simultaneamente, outra atividade.
O intermediário de crédito deverá possuir um livro de reclamações autónomo para a atividade de intermediação de crédito. Por ora, ainda não existe nenhuma instrução normativa do Banco de Portugal especificamente sobre esta matéria, definindo um formulário e os procedimentos a seguir. Será, no entanto, crível, que o Banco de Portugal venha a seguir, com as necessárias adaptações, um modelo e um procedimento similares aos aplicáveis às instituições de crédito. Deste modo, estes serão alguns dos princípios essenciais a reter:
a) Caso receba diretamente uma reclamação do cliente, o intermediário deverá encaminhar a mesma ao Banco de Portugal, no prazo máximo de dez dias úteis desde a sua recepção;
b) O intermediário de crédito deverá fazer acompanhar a reclamação dos seguintes elementos:
i) As suas alegações, isto é, a sua argumentação e (eventualmente) os motivos pelos quais entende que a reclamação é destituída de fundamento;
ii) Informação sobre as medidas (eventualmente) adotadas em resposta à reclamação;
iii) Cópia de carta que (eventualmente) tenha sido dirigida ao reclamante;
iv) Demais elementos tidos como relevantes para a apreciação da reclamação, de acordo com a temática da mesma.
Em suma: na falta de regulamentação legal específica para as reclamações apresentadas aos intermediários de crédito, e até que o Banco de Portugal venha a emitir uma instrução versando esta matéria, será de acolher os princípios gerais e procedimentos, com as devidas adaptações, que regem as reclamações apresentadas perante instituições de crédito.