O acesso às informações constantes do recibo de vencimento pelos Solicitadores e Agentes de Execução constitui um tratamento de dados pessoais
Em 31 de Maio de 2016, na sequência dos vários pedidos efetuados pelas entidades empregadoras, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (doravante designada como CNPD) no âmbito do Processo n.º 6734/2016, publicou a deliberação n.º 923/2016, na qual se pronuncia sobre a legitimidade de solicitadores e agentes de execução em aceder ao recibo de vencimento dos trabalhadores que são partes em processos executivos.
Determinam que o acesso pelos solicitadores e agentes de execução à informação constante do recibo de vencimento constitui um tratamento de dados pessoais, por se tratar de uma operação sobre informação relativa a pessoas singulares, conforme previsto nos termos do disposto na alínea a) e b) do Artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais, doravante designada como LPDP).
A primeira questão que se propõem analisar diz respeito à incompatibilidade entre finalidades de tratamento de dados. A recolha e conservação dos dados contantes do recibo de vencimento tem como finalidade originária a gestão da relação laboral e cumprimento das obrigações da entidade empregadora.
Por outro lado, a finalidade posterior visada seria a instrução do processo de execução tendo em vista a penhora de vencimento, na medida em que o acesso à informação constante do recibo de vencimento permite o cálculo do valor penhorável. Entendeu a CNPD que apesar de a comunicação dos dados aos solicitadores e agentes de execução implicar um desvio à finalidade originária, não estaríamos perante finalidades incompatíveis.
Ora, não havendo incompatibilidade de finalidades, pronunciou-se a CNPD quanto à adequação, necessidade e proporcionalidade de acesso aos dados contantes do recibo de vencimento do executado, pelos Solicitadores e Agentes de Execução.
No recibo de vencimento constam, ou podem constar, informações que dizem respeito à vida privada dos trabalhadores/executados, como por exemplo, valor pago a título de pensão de alimentos, faltas ao serviço, informações que consideram desnecessárias para o cálculo do valor a penhorar.
Tratando-se de informações que integram o conceito de vida privada e, portanto, protegidas por constituírem dados sensíveis, o tratamento e acesso a esses dados apenas é permitido mediante disposição legal ou autorização da CNDP, nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 7 da LPDP.
Ora, atualmente não existe em vigor legislação que permita o acesso pelos solicitadores e agentes de execução aos dados pessoais que constam dos recibos de vencimento.
Se por um lado a CNPD reconhece a necessidade dos solicitadores e agentes de execução em conhecer o vencimento do executado, necessidade esta que resulta da própria lei, em concreto, do Artigo 779.º C.P.C., por outro, referem que do artigo mencionado não resulta uma obrigação das entidades empregadoras em dar a conhecer outras informações que não sejam o vencimento líquido, ilíquido e existência de outras penhoras que estejam em curso.
Entendem não ser relevante o acesso ao recibo de vencimento para efeitos de penhora, uma vez que o Solicitador ou Agente de Execução pode aceder a algumas bases de dados no contexto de diligências prévias à penhora, nos termos do disposto no Artigo 749.º do C.P.C.. Também nesta disposição legal é feita qualquer menção à obrigatoriedade de transmissão de informação constante do recibo de vencimento por parte das entidades empregadoras.
Tanto que, referem ser legitima a recusa por parte da entidade empregadora em colaborar com o tribunal, uma vez que se está perante uma situação de intromissão na vida privada e violação de sigilo profissional, e portando admissível nos termos do disposto no n.º 3 do Artigo 417.º do C.P.C..
Por este motivo, referem que tal informação só será suscetível de ser disponibilizada mediante despacho fundamentado do juiz, conforme previsto nos termos do disposto no n.º 1 do Artigo 418.º do C.P.C..
Assim, são do entendimento de que será sempre necessária a intervenção de autoridade judicial quando estamos perante informação relativa à reserva da intimidade da vida privada, sujeita a sigilo profissional, ou, que permita o apuramento da situação patrimonial.
Pelo exposto, entende a CNPD que estando em causa a penhora de vencimento, a informação relativamente ao vencimento liquido e ilíquido, bem como, informação quanto à existência de penhoras que incidam sobre o mesmo será suficiente, não sendo necessário o conhecimento de todas as informações constantes do recibo de vencimento para proceder ao cálculo do valor penhorável.
Ora, existindo um mecanismo processual adequado em caso de falsas declarações por parte da entidade empregadora, e, tendo em conta que o acesso à informação constante do recibo de vencimento tem um impacto excessivo na vida privada dos executados, o acesso aos dados pessoais do recibo de vencimento viola o disposto na alínea c) do n.º 1 do Artigo 5.º da LPDP, pelo que delibera a CNPD:
“não ser de autorizar as entidades empregadoras a facultar aos solicitadores e agentes de execução os dados pessoais constantes do recibo de vencimento dos seus trabalhadores que sejam partes em processo judicial de natureza civil”.