2018-11-23
Acórdão n.º 486/2018 do Tribunal Constitucional

 

por: Catarina Gonçalves Martins

O recurso do Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, teve por base o indeferimento do requerimento apresentado pelo Ministério Público pelo JIC para a tomada de declarações para memória futura de testemunha, indicada como vítima do crime objeto de investigação, com fundamento no facto de esta ter sido declarada interdita por anomalia psíquica.

 

O tribunal a quo alicerçou a sua posição no Acórdão n.º 359/2011 do Tribunal Constitucional, recusando a aplicação da norma contida no artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), no sentido em que estabelece a incapacidade para testemunhar de pessoa que, tendo no processo a condição de vítima ou ofendida de um crime, está interdita por anomalia psíquica, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, nºs 1 e 4, da Constituição).

 

O Ministério Público peticionou a apreciação da norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade.

 

No mais, o Tribunal Constitucional acrescenta que se impõe formular um juízo positivo de inconstitucionalidade dado que a solução normativa em análise trata de modo radical e de igual forma todos os interditos por anomalia psíquica, independentemente do específico e concreto grau da respetiva afetação da capacidade para testemunhar sobre qualquer evento em processo penal, vertente que não é objeto de verificação especificada no processo de interdição. Este é fundamentalmente orientado para dimensões de índole patrimonial e pessoal, de modo a assegurar a proteção dos interesses do visado através da instituição de um tutor, protutor ou curador, e do conselho de família.

 

Sucede, porém que em muitas situações, o quadro de saúde mental do sujeito, e o respetivo grau de afetação da cognição ou da volição, tidos em atenção na avaliação dos pressupostos da interdição judicial, não se projetam relevantemente sobre a capacidade do interdito por anomalia psíquica para apreender e responder com verdade às questões que lhe sejam colocadas, com vista à obtenção de relato fidedigno de factos por si observados ou experienciados.

 

Por outro lado, a medida também não se mostra necessária para atingir a finalidade de assegurar uma representação genuína e fidedigna da realidade, em termos compatível com o princípio da descoberta da verdade material, logo, estamos perante medida legislativa que não só viola o princípio da proporcionalidade, como se revela discriminatória relativamente a uma categoria de pessoas - as vítimas de crimes em investigação declaradas interditas por anomalia psíquicas - mostrando-se, como vimos, desprovida de fundamento bastante para o tratamento diferenciado que opera, devendo, por isso, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.

 

Desta feita, o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional a norma do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na dimensão em que estabelece a incapacidade absoluta para testemunhar de pessoa que, tendo no processo a condição de vítima ou ofendida de um crime, está interdita por anomalia psíquica, por violação do princípio da igualdade e do processo equitativo, conjugado com o princípio da proporcionalidade.

 

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