No dia 13 de Maio de 2019, o Tribunal Constitucional, decidiu declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da república em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da constituição, da norma constante no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indeminização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período.
A decisão foi proferida após um processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma supra referida.
O representante do Ministério Público por forma a legitimar o seu pedido, alegou que a mesma norma tinha já sido julgada por três casos concretos pelo Tribunal Constitucional, respetivamente nos Acórdãos n.º 383/2012, no qual foi feito um juízo de desconformidade constitucional com base na violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, e do direito à justa reparação dos danos; o Acórdão n.º 273/2015, no qual a censura constitucional residiu na violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º n.º1 alínea b) da Constituição e por fim o Acórdão n.º 565/2018, no qual o julgamento da inconstitucionalidade radicou na violação da mencionada reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da Republica em matéria de direitos, liberdades e garantias e do princípio da igualdade consignado no seu artigo 13.º n.º1.
Verificamos face aos três acórdãos que levaram ao processo que fiscalização abstrata e sucessiva, que existe uma diversidade quanto à fundamentação do mesmo juízo positivo de inconstitucionalidade, sendo que no entanto e no entendimento do Tribunal, o mesmo não obsta à organização de um processo de generalização do juízo de inconstitucionalidade.
A norma em causa foi introduzida pelo DL 153/2008, de 6 de Agosto com os seguintes objetivos:
- Reduzir a litigiosidade, desincentivando a rejeição pelos lesados das indemnizações propostas pelas seguradoras com o objetivo de obter uma indemnização superior numa decisão judicial depois de tentar provar que auferia mais do que declarado fiscalmente;
- Reforçar a ética do cumprimento fiscal;
- Assegurar uma maior objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais;
- E permitir uma produção de prova mais fácil e célere.
A questão que se discute no acórdão é saber se a liberdade de oferecer prova, que se encontra consagrada na constituição, fica limitada com a restrição da apresentação da declaração fiscal para prova dos rendimentos.
O tribunal constitucional concluiu que "o direito a apresentar provas está contido na garantia de um processo equitativo e no direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos n.ºs 1e 4 do artigo 20.º da Constituição."
No entanto o tribunal admite que esta garantia constitucional não implica que não possam surgir restrições ou limitações à admissibilidade de meios de prova, "Simplesmente, a limitação só pode ter -se por constitucionalmente admissível mediante o cumprimento cumulativo dos pressupostos de restrição dos direitos fundamentais submetidos ao regime dos direitos, liberdades e garantias — designadamente contidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Isto é, «[a] limitação da liberdade probatória — que é diferente da sua regulamentação (por exemplo, quanto ao número de testemunhas ou outros meios de prova a produzir) — significa, em princípio, cercear a possibilidade de demonstrar em juízo que se tem razão, impedindo -se, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exata da realidade fáctica.
Nessa medida, corresponde a uma restrição do direito à tutela jurisdicional efetiva» (Acórdãos n.ºs 273/2015 e 565/2018)."
Esta decisão não é nova confirmando o que já se vem decidindo nos tribunais.
O que ficou por apreciar e pode levar a outros recursos para o tribunal constitucional, é saber quais os meios de prova suficientes para os lesados fazerem a prova dos rendimentos.
Considerando os meios de prova que estão ao dispor no Código Processo Civil, importa perceber se qualquer outro documento é um meio idóneo para provar os rendimentos mesmo que se esteja a falar de um mero documento particular. Ou até mesmo, se bastará a prova testemunhal para que o tribunal fique convencido e admita como provado que aquele lesado recebia determinada quantia mensalmente.
Entendemos que não, que os tribunais devem procurar maior rigor sob pena de se beneficiar quem incumpre com as obrigações fiscais que conforme se viu, era uma dos objetivos a evitar com a introdução da redação deste artigo.