2019-05-24
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Conservação dos dados através da gravação de contactos telefónicos

 

por: Guilherme Almeida Craveiro & Mariana Monteiro de Magalhães

No presente acórdão a pretensão da Autora era obter a concessão de autorização pela «CNPD» da conservação dos dados através da gravação de contactos telefónicos com a finalidade de prova das transações comerciais e quaisquer outras comunicações respeitantes a relação contratual pelo período de dez anos e não apenas de sete anos.

 

O pedido da Autora foi fundamentado no facto de o prazo de sete anos, inserto no n.º 2 do art. 14.º da Lei n.º 25/2008, ser um prazo mínimo e nada impedir que seja fixado um prazo mais longo, prazo mais longo esse que, no seu entendimento, resulta imposto pelas exigências e obrigações de conservação de dados previstas no art. 40.º do CCom em conjugação com normas do Código das Sociedades Comerciais.

 

É necessário determinar se à data existia algum regime normativo que especificamente disciplinasse a situação em termos de definição dum prazo para a conservação de tais gravações, sendo que inexistia qualquer regime normativo que dispusesse sobre essa questão.

 

O tempo de conservação dos dados pessoais deve ser definido e limitado em função da finalidade que preside ao seu armazenamento e tratamento. Nesse sentido, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade e a sua harmonização com os direitos fundamentais em questão é necessário ponderar os interesses empresariais e/ou comerciais do setor bancário e, bem assim, os interesses dos clientes das instituições bancárias, sem esquecer, também, as próprias exigências de segurança jurídica nas operações realizadas à distância com recurso a telefone e/ou por via eletrónica e aquilo que constitui todo o demais quadro normativo regulador e disciplinador da atividade bancária.

 

É facto notório que a inovação tecnológica ao longos dos anos tem vindo contribuir para a alteração da atividade financeira, no sentido em que para além do acesso ou uso da via de telefónica, assistimos à utilização cada vez mais generalizada da Internet, realidade que veio mudar a forma como os clientes bancários se relacionam com as instituições financeiras e, bem assim, as vias como acedem à prestação de serviços financeiros, usando não apenas a via telefónica, mas, também, os canais digitais, tendo as instituições financeiras passado a disponibilizar naquelas plataformas os seus serviços, denominados de homebanking, e a recorrer às aplicações móveis, potenciando e facilitando o acesso e a realização daqueles serviços, para além do aparecimento de instituições bancárias que desenvolvem a sua atividade sem recurso a agências físicas ou com uma rede de agências muito reduzida.

 

No entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, devem entender-se como abrangidas pela previsão do referido art. 40.º do CCom as gravações de chamadas realizadas pelas instituições bancárias no âmbito da atividade bancária e no contacto/relação daquelas com os seus clientes e daquilo que são os atuais suportes físicos onde tais registos constam.

 

Com efeito, as gravações constituem, no atual contexto da era digital, o registo ou suporte documental, comprovativo de comunicação/correspondência trocada entre instituições bancárias, e seus clientes, de transações, operações/ordens bancárias realizadas ou determinadas no quadro da relação bancária personalizada entre os mesmos estabelecida, como relação de negócios, de obrigação duradoura e da qual emerge uma prestação permanente contínua e sucessiva, assente na confiança.

 

Daí que a justificação e motivação encontrada na definição do prazo de conservação das chamadas gravadas e que foram feitas no quadro da relação contratual entre uma instituição bancária e seus clientes deveria ter feito apelo ao prazo previsto no art. 40.º do CCom, pois, para além de diretamente aplicável às instituições bancárias, o mesmo, sendo exigível ou necessário, mostrava-se, à data, também como o mais acertado, porquanto o mais adequado, ajustado e justo na ponderação dos princípios, direitos e interesses que a situação reclamava.

 

E nesse contexto, tendo presente o quadro normativo que se mostrava aplicável à data e aquilo que caracterizava e caracteriza as relações bancárias, marcadamente duradouras, como relações de negócio nas quais emergem prestações permanentes contínuas e sucessivas,  as exigências de prova que se colocam no quadro do tempo previsto para o exercício e efetivação de direitos dos sujeitos ou partes envolvidas e do tempo de preparação e decisão dos eventuais processos judiciais onde os litígios que venham a surgir são dirimidos, temos que o prazo de conservação a considerar das chamadas gravadas entre instituições bancárias e seus clientes no quadro do seu relacionamento contratual não poderia ter-se alheado dessa ponderação.

 

Face ao exposto, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, que a interpretação e aplicação do artigo 40.º do Código Comercial, bem como do artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2008 e do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, deve ser no sentido de o prazo de conservação dos dados (gravação de contactos telefónicos com a finalidade de prova das transações comerciais e quaisquer outras comunicações respeitantes a relação contratual) ser de 10 e não de apenas 7 anos.

 

Em conclusão, defendeu-se que o art. 40.º do Código Comercial mostra-se aplicável às instituições bancárias e deve entender-se como abrangidas na sua previsão as gravações de chamadas realizadas pelas instituições bancárias no âmbito da atividade bancária e no contacto/relação daquelas com os seus clientes.

 

 

 

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