Foi publicada em Diário da República, no dia 7 de abril de 2017, extrato do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 86/2017.
A decisão surge fruto do pedido de apreciação da norma vertida no Artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, doravante “LADT”), por violação dos Artigos 12º, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”), apresentado por uma Sociedade Anónima (doravante “A., S.A.).
A sociedade A., S.A. viu ser-lhe rejeitado, pelo Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Braga, um pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, apresentado no âmbito de uma oposição a injunção contra si movida junto do Balcão Nacional de Injunções.
Esta rejeição foi objeto de impugnação judicial junto da Instância Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, que recusou provimento à mesma, por manifesta inviabilidade, nos termos e para os efeitos do Artigo 28.º, n.º 4 da LADT. Fundamentou esta decisão, essencialmente, em dois pontos:
- O Artigo 20.º da CRP traduz-se num direito geral de proteção jurídica, que carece de concretização e, nos termos da lei (in casu da LADT), as pessoas coletivas com fins lucrativos não podem ter acesso a tal proteção;
- Verificando-se, efetivamente, que a pessoa coletiva com fins lucrativos se encontra em situação económica difícil, poderá a mesma recorrer ao PER ou apresentar-se à insolvência.
Dispõe o Artigo 7.º, n.º 3 da LADT que “As pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica.”
A Recorrente A., S.A. fundamentou, em sede de alegações, o seu pedido, que assentou na violação dos já mencionados Artigos 12.º, 13.º e 20.º da CRP, bem como do seu Artigo 32.º, n.º 1. Alega, nomeadamente, que, enquanto se afigura razoável a distinção entre as pessoas coletivas e as pessoas singulares, espelhada no Artigo 12.º, n.º 2 da CRP, já não o pode ser a distinção entre diferentes tipos de pessoas coletivas, designadamente em função do fim que prosseguem. Acresce a isto que, verificando-se, na pendência do litígio, a recuperação económica da pessoa, o apoio inicialmente concedido pode ser dispensado supervenientemente e, se assim é, fará sentido aplicar esta norma às pessoas coletivas com fins lucrativos, em que a recuperação será, por norma, mais célere. Conclui, desta forma, alegando que a proteção jurídica deve ser concedida estritamente com base em critérios de insuficiência económica, independentemente da natureza e fim prosseguido por determinada pessoa coletiva. Refere a Recorrente a existência de três Acórdãos do Tribunal Constitucional que partilham deste entendimento: Acórdão 822/2009, Acórdão 279/2009 e, mais recentemente, Acórdão 591/2016, todos da 2.ª Secção[1].
É particularmente relevante, a este propósito, e no entendimento perfilhado no Acórdão em análise, o Acórdão 591/2016, da 2.ª Secção, em que foi relator o Juiz Conselheiro Pedro Machete, porquanto o recorrente era o mesmo, a decisão recorrida tinha o mesmo teor, o objeto do recurso era idêntico e idênticas eram também os fundamentos das alegações de recurso, tendo o Tribunal Constitucional decidido “julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 7.º, n.º 3, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas;”.
Considerou o Tribunal Constitucional, no presente Acórdão, bem como em Acórdãos anteriores, que uma norma que impeça uma avaliação casuística da situação económica de determinada pessoa coletiva com fins lucrativos ou de estabelecimento individual de responsabilidade individual (doravante “EIRL”) viola o princípio de acesso aos tribunais. Ao mesmo tempo que tem que se ter em consideração os meios económicos de tais entidades, comparativamente com as restantes, não se lhes pode vedar em absoluto o acesso ao apoio judiciário sem fazer uma avaliação caso a caso.
O Tribunal afastou ainda a possível contradição entre esta posição e o disposto no Artigo 81.º, alínea f) da CRP. Tal decorreria, no entendimento do Acórdão 216/2010, do facto de, porque as pessoas coletivas com fins lucrativos devem ter sustentação financeira própria, tal apoio traduzir-se-ia numa vantagem violadora do regular funcionamento dos mercados. Além do mais, estar-se-ia a colocar o peso da atividade de pessoas coletivas com obrigação de se manterem economicamente viáveis nos contribuintes, estando aquelas, em tese, a prosseguir o seu fim lucrativo a expensas destes.
O presente acorda baseia-se, ainda, na conclusão do Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão de 22-12-2010, no processo C-279/09[2], relativamente ao Artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (doravante “CDFUE): “O princípio da proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.º da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não está excluído que possa ser invocado por pessoas coletivas (…)”.
Desta forma, o Tribunal Constitucional concluiu não poderem ser discriminadas as pessoas coletivas com fins lucrativos em termos absolutos, sem haver avaliação do caso concreto, tendo decidido julgar inconstitucional a norma do Artigo 7.º, n.º 3 da LADT, por recusar em absoluto o apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos e EIRL, o que consubstancia uma violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, vertido no Artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
[1] Disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/
[2] Disponível em http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=en&num=C-279/09