Foi publicado a 24 de janeiro de 2018, em Diário da República, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2018 que vem fixar jurisprudência no sentido de atribuir competência aos Tribunais Administrativos nas ações intentadas pela Ordem dos Advogados ou Câmara dos Solicitadores relativas à fiscalização de situações de procuradoria ilícita.
A questão colocada à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo com vista à uniformização de jurisprudência funda-se em saber se a competência material para julgar a atuação da Ordem dos Advogados, no que concerne à fiscalização da procuradoria ilícita e o direito de requererem, junto das autoridades judiciais competentes, o encerramento de um escritório ou gabinete, cabe na competência jurisdicional dos tribunais judiciais ou se, por outro lado, na competência da jurisdição administrativa.
A legitimidade para o Recurso interposto adveio da contradição entre o Acórdão do TCAS de 15.12.16 referente ao Processo n.º 706/15.0BELSB (Acórdão impugnado) e o Acórdão do TCAS de 12.09.13 proferido no âmbito do Processo n.º 06135/10 (Acórdão fundamento), considerando o Acórdão fundamento que não existe qualquer norma jurídica que permita àquela Ordem de atuar como uma autoridade pública para julgar condutas de terceiros, a qual poderá, sim, solicitar às autoridades judiciais competentes que façam tal julgamento, pelo que, inexistindo uma relação jurídica administrativa entre as partes e norma especial atributiva de jurisdição administrativa, o litígio caberia na competência jurisdicional dos tribunais judiciais.
Já o Acórdão impugnado considerou que a atuação da Ordem dos Advogados se insere no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, uma vez que a sua atuação nesta matéria convola a relação entre a Ordem e os visados pela aquela jurisdição, estando em causa questões relativas a tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, assim como a fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública.
Veio assim o Acórdão em análise confirmar a decisão recorrida, considerando que, apesar de se estar perante matéria que não apresente solução indiscutível, que a competência para julgar a proposta de encerramento do estabelecimento onde se pratique a procuradoria ilícita deverá caber aos Tribunais Administrativos.
Para tal, começa o Acórdão por referir que não existe qualquer relação de prejudicialidade entre a proposta de encerramento do estabelecimento pela Ordem dos Advogados e a queixa destinada a desencadear o processo-crime por procuradoria ilícita, pelo que a Ordem não está obrigada, previamente ao exercício do direito que lhe cabe, a propor queixa por atos de procuradoria ilícita, o que afastaria a competência dos Tribunais Judiciais.
Por outro lado, sufraga o Acórdão o seu entendimento no facto de o exercício do direito de encerramento do estabelecimento por procuradoria ilícita ser precedido de deliberação da Ordem dos Advogados, à qual compete, entre outros, essa fiscalização. Ora, não obstante tal competência atentar, em primeiro lugar, ao interesse da sua classe profissional, também procurará a defesa do interesse público, daí que à Ordem dos Advogados seja reconhecida o estatuto de pessoa coletiva de direito público e esteja regulamentada por lei. E neste sentido, à Ordem dos Advogados aplicar-se-ia o regime, em matéria de “Controlo Jurisdicional”, das Associações Públicas Profissionais, as quais estão sujeitas ao contencioso administrativo, nos termos das leis do processo administrativo.
Sublinha ainda o Supremo que esta será a solução mais assertiva, já que o encerramento do estabelecimento onde se pratique procuradoria ilícita cabe apenas à Ordem dos Advogados na defesa não só dos interesses corporativos, como também do público em geral, não estando tal poder atribuído aos Advogados individualmente. E apesar de se tratar de um direito que confere legitimidade à Ordem de Advogados para o exercício do direito de requerer junto das autoridades judiciais competentes o encerramento do escritório ou gabinete, o mesmo carece de recurso à via judicial, concluindo por isso o Acórdão que, estando em causa uma atuação de um órgão público que pretende exercer um direito também ele público e consagrado em norma de Direito Público, a competência material para a resolução do litigio caberá sempre, em exclusivo, aos Tribunais Administrativos.