No seguimento do destaque feito na passada publicação, pela qual elucidamos os nossos leitores quanto à exoneração do passivo restante, instituto próprio da insolvência das pessoas singulares, cabe-nos agora, e por referência à vastíssima jurisprudência a esse mesmo propósito, disponibilizar mais esclarecimentos quanto à sua aplicação, para o que nos debruçaremos sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/04/2016, proferido no âmbito do processo n.º 3112/13.7TJCBR.C1, em que é relator a Exma. Sra. Dra. Juiz Desembargadora Sílvia Pires (disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, discute-se da cessação antecipada da exoneração do passivo restante ao insolvente que incumpriu do dever de entrega à massa insolvente dos valores a que estava obrigado durante o primeiro ano do período de cessão.
Ora, especificamente, o Insolvente, ali recorrente, havia incumprido com o dever de entregar determinado valor, tendo oportunamente justificado que tal havia sucedido por motivos de dificuldades sentidas com a actividade profissional, comprometendo-se a efectivar pelo pagamento até determinada data, o que não veio a acontecer.
Por força dessa circunstância, e a pedido de um credor, o tribunal de 1.ª instância veio a cessar antecipadamente o procedimento de exoneração, por entender que o insolvente violara os deveres que sobre si recaiam quanto às entregas dos rendimentos à massa, mesmo após lhe ser concedida uma moratória para o efeito.
Por sua vez, veio o Tribunal da Relação de Coimbra entender que, para que cesse antecipadamente o período de cessão, não basta por si só o incumprimento da obrigação de entrega de rendimentos por parte do insolvente, exigindo que se analise se agiu aquele deliberadamente (comportamento doloso ou negligente grave) e com o objectivo de se imiscuir ao pagamento aos seus credores, que têm de sofrer efectivos prejuízos.
Assim, e não obstante o legislador impor ao Insolvente diversas obrigações que têm de ser cumpridas durante o referido período de cessão, entendeu o tribunal superior que deve o processo de insolvência abraçar critérios de razoabilidade.
Pelo que, ainda que violado o dever de cuidado por parte do Insolvente quanto às entregas à massa insolvente, o “quantum” em dívida era de tal ordem irrelevante (€ 508,00) quando em comparação com o valor do rendimento já cedido à massa, o valor global dos créditos e a qualidade dos credores afectados, que julgou o tribunal superior procedente o recurso para o Insolvente, revogando a decisão que tinha cessado antecipadamente o procedimento da exoneração do passivo.
Assim, e por referência ao artigo 243, n.º 1, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a exoneração só pode ser recusada caso se verifique cumulativamente que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Aviso Legal: A presente Informação destina-se a ser distribuída entre Clientes e Colegas e a informação nela contida é prestada de forma geral e abstrata, não devendo servir de base para qualquer tomada de decisão sem assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto. O conteúdo desta Informação não pode ser reproduzido, no seu todo ou em parte, sem a expressa autorização do editor. Caso deseje obter esclarecimentos adicionais sobre este assunto contacte-nos através do endereço de e-mail: abclegal@abclegal.com.pt